sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Por vezes, há lições a tirar dos happy endings

Já toda a gente deve ter ouvido falar da história do homem sem rosto do Rossio, que esta semana foi operado nos EUA, depois de ter passado vários anos no Rossio, onde costumava estar a pedir.

Eu próprio me envergonho de tantas vezes ali ter passado e de nunca ter feito nada. Como a generalidade das pessoas. Mas o pior é que há muitos homens e mulheres sem rosto em Lisboa, Porto e seja onde mais for. Pessoas por quem passamos todos os dias, a quem já fixámos os rostos e gestos. Pessoas que acabam, não direi por fazer parte da paisagem, mas do quotidiano. Quem não recorda dos homens que andam a pedir dentro das carruagens do metro? Ou da senhora que costuma estar na Rua Augusta?

Faz agora algum tempo falou-se daquele idiota que colocou experimentalmente um cão preso à porta de um museu. Toda a gente visitava a exposição, via o cão preso, mas ninguém fazia caso. Passados alguns dias, o animal acabou por morrer à fome e sede. O episódio foi brutalmente censurado e eu próprio condenei essa atitude mas, no fundo, sem muita moral.

Afinal, também eu passo diariamente por pessoas a quem deveria estender a mão. Todos passamos… E bem sei que este texto pouco ajudará a mudar o que quer que seja. É por isso que admiro quem faz voluntariado. Já o fiz ao nível associativo/cultural e posso dizer que é enriquecedor.

Mas quanto à história do homem sem rosto, é uma lição para toda a gente. Os happy endings devem também servir para alguma coisa.

18 comentários:

  1. Blog Liker,

    É importante dizer que o homem sem rosto chegou à situação em que se encontrava porque recusou ajuda dos médicos Portugueses numa fase em que não tinha o tumor naquele estado avançado. É preciso dizer que recusou, RECUSOU POR CAUSA DA RELIGIÃO, sendo testemunha de jeová não pode receber transfusão de sangue. Foi por isto que ele passou tantos anos sem ter ajuda.

    Tens toda a moral para falar do cão que não se pode defender e ainda menos pedir/procurar ajuda. Também olho muitas vezes para trás e fico triste por não fazer nada por essas pessoas, mas é preciso ter em conta que muitas vezes são eles quem escolhem o caminho e recusam ser ajudadas.

    Abraço

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  2. Isso do cão foi terrível :(.

    E não cuidar da saúde por motivos religiosos é outra coisa terrível. Esse senhor faz-me lembrar um daqui do Porto que também tem vários tumores na cara mas desconheço a sua história...

    E há um pedinte, em Braga, que se anda a aproveitar da gangrena na perna para aumentar os lucros. Até receio que no hospital se tenha recusado a ser operado só a pensar que poderia ganhar mais algum com a doença. :S

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  3. Tiago: tens razão no update que fazes em relação à questão da religião do senhor. Mas quando eu estava a escrever, lembrei-me também da outra parte mórbida da coisa: segundo li, parece que o homem era humilhado diariamente...

    Depois, há a tal parte da recusa da ajuda, mas muitas vezes as pessoas fazem-no por uma questão de vergonha ou dignidade... Enfim, é um mundo complicado, não é?

    Um abraço!

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  4. LusoBoy: essa história que contas de Braga é terrível! Como é que em plena época da técnica e do bem-estar alguém não se queira curar... É mais um daqueles exemplos - como já expôs o Tiago, acerca das questões religiosas - em que se chega ao absurdo... Respeito as convicções, mas...

    Um abraço!

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  5. Sabes o que me custa... é que eu penso o mesmo que tu e penso nas vezes em que poderia ter feito algo pela situação e não fiz... mas penso no percurso que faço.
    Sou voluntário na cruz vermelha, no banco alimentar, já fiz domicílios a lavar, alimentar e cuidar de pessoas idosas, já passei vésperas de natal a distribuir roupa e alimentos a quem não os tinha (e mesmo sem estar com a família foi um belíssimo natal) sou dador de sangue e de medula óssea mas, por outro lado, não sou capaz de dar dinheiro à senhora do metro ou ao rapaz da esquina... não sou mesmo sabes porquê?
    Um episodio em que, na porta de um supermercado me pediam dinheiro para comer, achei que melhor que uns trocos era realmente comprar um saco cheio de coisas... comprei pão, queijo, sumo, leite e biscoitos e a pessoa olhou-me para aquilo e disse que tinha pedido dinheiro para comprar ele a comida... e não me aceitou o saco!
    Numa outra situação, vinha a entrar na avenida pedestre e ouvi o rapaz, a quem todos os dias dava dinheiro, dizer para o outro que "epah isto ta mesmo de crise, vê lá tu que ainda hoje só fiz cem euros" e ainda nem meio dia e meia era... por isso faço o que estava ao meu alcance e ajudo da forma que me deixa tranquilizado. Em relação a esse senhor, sabia da história e sabia que não queria a ajuda pela religião, mas não sabia da parte da humilhação.

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  6. Quanto à parte da humilhação, jamais o faria, mas imagino-me a passar todos os dias num sitio onde esse senhor me pedia esmola. Às tantas e porque sou curioso iria querer saber mais da situação, quando percebesse que era "chulado" e que ele não se queria tratar ia ficar aborrecido... Não o humilhava, mas certamente que me ia passar quando ele me pedisse fosse o que fosse..!

    Mas não, humilhar nunca por nunca ser.

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  7. Quando estive agora em Belgrado, estava numa paragem de autocarro a observar um tipo de cerca de 30 anos, bem constituído, com uma perna mostrando uma firma profunda; coxeava, quando se aproximava das pessoas e fazia vénias e vénias a pedir esmola. Vinha um autocarro e o homem recompunha-se e andava quase normalmente; aproximava-se alguém e voltava o "teatro"...
    Claro que não são situações semelhantes, mas eu tenho muita desconfiança das desgraças alheias usadas para arranjar dinheiro.
    Por acaso nunca vi o homem sem rosto, mas agora que sei o que se passava, decerto alguém, pelo extremismo da situação o teria querido ajudar...
    Já o episódio do cão, na altura, arrepiei-me todo.

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  8. A história do Homem do Rossio impressionou-me bastante. Confesso que não o conhecia até há uns dias atrás quando li a notícia num jornal. Depois, procurei na net e pude ver o rosto a cores. Fiquei chocado. Pobre homem. Mas, ao que parece, o seu comportamento também em nada ajudava a uma possível ajuda. Ao que consta, tinha um comportamento irascível... :/
    Quanto ao episódio do cãozinho: que horror, é o que me surge dizer.
    Da minha parte, faço o que posso por essas pessoas. Toda a minha roupa em bom estado que não uso (praticamente nova) é doada. A avó materna costuma ajudar bastante em campanhas de solidariedade num esforço conjunto com a Igreja dela (é católica), mas fazem um excelente trabalho pelas ruas de Lisboa! O que eu não faço é dar dinheiro. Se me pedirem de comer, não hesito um minuto. O dinheiro é muito volúvel. Infelizmente, muitos desses pedinte usam pretextos para conseguirem dinheiro de forma desonesta.

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  9. Ritchie: depois dos teus bons exemplos de voluntariado e afins, deixa-me dizer que entraste para a minha lista pessoal de «heróis»! :)

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  10. Tiago: há que analisar caso a caso... Mas esse acto do procurar saber mais é, sem dúvida, uma boa atitude! Abraço.

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  11. Pinguim: há, de facto, o reverso da medalha... Também já vi uma mãe a usar os filhos como «isco» à porta do supermercado, o que também é lamentável. Dessa vez, dei-lhes uns pacotes de leite. Mas não creio que tenham ficado muito contentes. Acho que preferiam dinheiro...
    Um abraço!

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  12. Mark: essa parte também é importante! Repartir o que já não precisamos e, claro, que está em bom estado!

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  13. Lembro-me desse senhor em Queluz a pedir...

    Eu, nunca dou dinheiro. Ofereço sopas, pequenos almoços, almoços, bolos...

    Dinheiro, só dei a um rapaz loiro, de olhos azuis, que andava a pedir na linha amarela do metro. Já deve ter morrido. Tinha todo o ar de ser drogado e com HIV. O rosto estava cheio de feridas. Tive pena desse moço. Detesto usar a palavra pena, mas era o que eu sentia por aquele moço...

    Recordo a história do cão. Quantos portugueses morrem à fome ou à sede? Se a dita sociedade não quer saber dos seres humanos, quanto mais dos animais.

    Como sabes, eu faço voluntariado. Um destes dias, o lar recebeu uma idosa. Em casa, a senhora estava deitada num cobertor, cheio de pulgas.
    Eu depois faço um post...

    Sabes o que aconteceu ao filho desta senhora?
    Nada, absolutamente nada...

    Abraço

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  14. Francisco: quando li o texto do Ritchie, lembrei-me exactamente do teu exemplo e das histórias marcantes que tens relatado no teu blogue. Há coisas que nem de perto, nem de longe, imaginei que assim se pudessem passar. E esse caso que agora relatas é deveras perturbador...

    Quanto ao dar dinheiro, fica-se sempre naquela expectativa... Para que será...

    Um abraço!

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  15. Desconhecia o caso do senhor sem rosto e eu próprio já me tinha questionado acerca do seu desaparecimento. Fico feliz que ele tenha sido tratado mas tenho pena que tenha colocado a religião acima da sua saúde.

    Quanto a dar esmolas... recuso-me a dar dinheiro. Eu próprio, numa fase da minha vida, já fui sem abrigo e passava fome e, apesar de ser forçado a pedir esmolas para sobreviver, nunca recusei comida. É verdade que há muito engano mas, o simples facto de se oferecer comida em vez de dinheiro, dá para fazer o rastreio de quem precisa de dinheiro e quem não precisa. Normalmente, se a pessoa aceita a comida, ofereço e depois dou uns trocos para ajudar mais um pouco.

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  16. Arms: Obrigado pelo teu testemunho! E essa tua atitude de ajudar duplamente é meritória!

    Um abraço!

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  17. epah... não precisas de chamar herói que eu não sei responder a isso pah. mas obrigado pelo elogio... sabes que o faço de muito boa vontade e com uma unica gratificação... o reconhecimento que se vê na cara das pessoas. isso paga tudo... sim, que voluntariado não é mar de rosas...

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  18. Ritchie: não é preciso agradecer! Foi de boa vontade! :)

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